O canto na liturgia e na oração tem um significado profundo para os elementos da nossa Comunidade e esta animação litúrgica está associada ao nosso modo de viver a Igreja na Igreja. Não somos só um grupo coral, mas sim uma Comunidade que se junta para rezar e viver a liturgia através do canto e da música. Alguns dos elementos da Comunidade Estrada Clara têm formação musical em canto e em instrumentos (piano, guitarra clássica, saxofone, entre outros). Muitos de nós já cantamos juntos desde muito novos, há já quase trinta anos. Muitos dos cânticos que cantamos nas Eucaristias são da nossa autoria, precisamente porque são o fruto do nosso modo de rezar, de louvar, de anunciar, através das palavras e da música, este Deus que nos ressuscita todos os dias. A nossa música, os nossos cânticos, os nossos silêncios musicais são parte da nossa identidade como comunidade. Hoje em dia, gerindo disponibilidades e agendas, famílias, responsabilidades profissionais, idas e vindas, ensaios e outras combinações, vamos mantendo este compromisso mensal de nos juntarmos, na nossa comunidade paroquial, para cantar este Deus que nos une e que fez e faz de nós uma irmandade com tempo e espaço para descobrirmos em nós a alegria de vivermos juntos!
“Encontro em Ti” é o nosso momento de oração mensal, na igreja Matriz e alargado a toda a comunidade paroquial. Acontece nas primeiras quintas-feiras de cada mês e, durante uma hora, diante de Jesus Eucaristia, rezamos a vida e a comunidade que somos. Uma experiência de partilha com quem vem meditar connosco e assim fazer memória e presença de um Deus que vem sempre ao nosso encontro.
A oração é a base primordial na identidade da Comunidade Estrada Clara. Desde sempre que, como qualquer grupo cristão, privilegiamos estes momentos de meditação e de silêncio, num encontro com Ele e connosco próprios. A oração na Comunidade Estrada Clara surge como compromisso comunitário. O esquema da nossa oração baseia-se na Liturgia das Horas, a oração pública e comunitária oficial da Igreja. A esta liturgia juntamos os cânticos, as nossas reflexões e o silêncio. Sempre o silêncio. Tão importante numa sociedade em que parece que o mais valioso é sempre o barulho, o ruído, o que fala mais alto. Há muito que descobrimos que é no silêncio e na serenidade que vamos sendo mais pessoas, que vamos conhecendo mais a nossa luz, que nos vamos tornando embaixadores do divino que vive em nós e assim construindo uma comunidade pensante e orante.
“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.” (do Evangelho segundo São João)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
Há frases de Jesus que soam como uma chave de leitura para toda a vida cristã. Esta é uma delas. Este versículo surge num contexto muito particular do Evangelho de João. Jesus está reunido com os seus discípulos, a poucas horas da sua Paixão. O ambiente é denso, íntimo, carregado de despedida e, ao mesmo tempo, de revelação. É neste momento que Ele deixa aos seus discípulos o que chamamos de “testamento espiritual”: o mandamento novo do saber amar. Ser discípulo de Jesus é ser reconhecido pelo amor com que se vive. Jesus escolhe o amor como sinal de pertença, não o conhecimento, não o poder, não a prática exterior. O amor é a marca deixada em quem permanece n’Ele.
Ao declarar que a marca distintiva dos seus discípulos seria o amor, Jesus desloca a questão do ser para a questão do relacionar-se. Não sou discípulo por aquilo que possuo ou sei, mas pela qualidade das minhas relações. É no espaço entre mim e o outro que se joga a autenticidade da fé. Jesus não diz que o amor é apenas um caminho interior, fechado em cada um. Ele afirma que é algo visível, reconhecível: “todos conhecerão”. O amor é o critério público, aquilo que pode ser visto e tocado. Não há como esconder ou disfarçar. Amar é tornar-se testemunha. O amor é o sinal pelo qual nos damos a conhecer como cristãos. E é importante perceber que não se trata de um amor sentimental, reduzido a afeto ou simpatia. É antes um amor que compromete, que se faz serviço, que desce às feridas do outro. É um amor que lava os pés, que perdoa o parece ser imperdoável, que carrega a cruz que nos pesa. É um amor que é tantas vezes acontecido no silêncio e vivido na confiança. É um amor que implica aceitação e perdão do que se foi para se construir o novo que há-de vir.
O Evangelho ganha carne nos gestos simples e quotidianos, onde se faz a diferença. Às vezes, julgamos que amar como Jesus está reservado apenas aos santos, aos gestos grandiosos e heroicos, que não está ao nosso alcance. Mas a verdade é que esse amor se constrói no dia-a-dia. É amor quando, depois de um dia cansativo, resisto à tentação de me fechar em mim e vou ao encontro de quem está sozinho. É amor quando, no meio do trânsito, escolho a paciência em vez da buzina. É amor quando, no trabalho, evito a palavra que podia ferir e escolho a palavra que constrói. É amor quando acolho a diferença sem medo e abro espaço para a compreensão.
Amar assim é sempre exigente. É fácil falar de amor em abstrato, difícil é praticá-lo quando a vida se torna áspera: quando alguém nos fere, quando somos incompreendidos, quando o outro não corresponde. É precisamente aí que o Evangelho ganha força — porque não se trata de amar “quando dá jeito”, mas de amar “como Eu vos amei” (Jo 13,34). Um amor sem cálculo, sem condições, sem reservas.
Quando Jesus fala de “todos”, aponta para algo que vai além da comunidade cristã. Muitas vezes, a Igreja e as suas comunidades são vistas mais pelas divisões internas, pela rigidez ou pela indiferença do que pela capacidade de amar. Este versículo do evangelho de João soa, então, como um apelo urgente à conversão e é profundamente desconcertante porque nos coloca perante o essencial: ou somos discípulos de Jesus no amor ou corremos o risco de sermos apenas seus admiradores. O mundo só acreditará que o Evangelho é vida se a vida dos cristãos for esse mesmo Evangelho vivo. O mundo só nos conhecerá se os nossos gestos refletirem um estilo de vida verdadeiramente cristão. E esta identidade constrói-se, escolhe-se, molda-se no dia-a-dia, nas escolhas que fazemos, na autenticidade que vamos privilegiando. É o amor que evangeliza, que anuncia sem palavras. É o amor que provoca espanto, que cria vontade de permanecer onde ele está. Por isso, ser discípulo de Jesus não é uma identidade abstrata, é deixar que o amor nos aconteça e nos molde. E este amor, quando é assumido e vivido em permanente ressurreição, torna-se luz para o mundo, chama que aquece os nossos corações, sinal vivo da presença em nós de um Deus presente. E talvez seja este o maior desafio dos cristãos: deixarmo-nos reconhecer como discípulos não porque somos cristãos, mas porque o amor, traduzido em atenção, em escuta, em perdão e em serviço, transparece. É um caminho exigente, mas profundamente libertador. O amor vivido em comunidade torna-se farol – não para mostrarmos que somos melhores, mas para revelar a presença de Deus que se faz próxima através de nós.
Amar desta forma não é possível apenas pelas nossas forças. O amor humano é limitado, facilmente cansa e se fecha em si e impõe condições e trocas. Por isso, só permanecendo em Deus, só deixando que seja Ele a amar em nós, podemos ser capazes de viver o seu modo de amar. Deus não nos pede nunca um esforço sobre-humano; pede-nos apenas que nos deixemos transformar por Ele. Que nos permitamos acolher o seu amor primeiro, porque só quem se sabe amado até ao fim consegue amar assim. E será sempre este o nosso maior testemunho: quando, no meio das nossas fragilidades e incoerências, deixamos transparecer algo de um amor que não é só nosso. Quando alguém olha para nós e percebe que não caminhamos sozinhos, mas com Ele e por Ele.
No século II, Tertuliano, um autor das primeiras fases do Cristianismo, testemunhou que os primeiros cristãos levavam as palavras de Jesus tão a sério que os pagãos, admirados, exclamavam: “Vede como eles se amam!” Este testemunho atravessa os séculos e chega-nos como uma pergunta viva: será que ainda hoje podem dizer o mesmo de nós? O mundo continua sedento de um amor verdadeiro — não de amores descartáveis, utilitários, superficiais — mas de um amor que permanece, que cuida, que se doa, que abraça até às feridas. Quando os cristãos se tornam imagem viva deste amor, quando cada comunidade é lugar de acolhimento, de perdão e de serviço, a luz do Evangelho permanece acesa e não pode ser escondida. A medida deste amor que desejamos é o próprio Jesus. É este amor que somos chamados a aprender, a encarnar, a oferecer ao mundo. Por isso, peçamos-lhe, hoje, esta graça: que cada um de nós possa ser reconhecido pelo amor que vive — um amor que mostra ao mundo o rosto de Cristo, que nunca deixa de amar.
“Senhor, a quem iremos? Só tu tens palavras de vida eterna.” (do Evangelho segundo São João)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
Para onde vamos? Para onde seguimos? Para quem vamos? Quem nunca se colocou estas questões? Questões estas que urgem cada vez mais nestes tempos que correm velozes, sem piedade. Tempos desenfreados, acelerados que nos colocam uma emergência voraz que nos impele a correr, a seguir, a ir. Para onde vamos? Para onde caminhamos? A quem queremos chegar? Que quotidiano é este que nos impõe velocidade ilimitada? Que dia-a-dia é este que nos faz estar quase sempre atrasados, preocupados, assoberbados? Colocam-se perguntas, procuram-se respostas. Também há dois mil anos, os amigos de Jesus sentiam esta inquietação. Tanto a acontecer à sua volta, tanta novidade a nascer entrelaçada com imensas dúvidas a pairar no ar. O que fazer? O que sentir? Para onde ir? Como ir? Para quem ir? As mesmas questões de hoje, nossas, partilhadas, vividas.
“Senhor, a quem iremos?” Pedro coloca esta questão num tempo de crise, depois de muitos terem abandonado Jesus. Tinham ficado escandalizados com a linguagem exigente do Mestre, com a proposta do Pão da Vida, com a radicalidade do seu amor. Queriam um Messias que confortasse, mas não que desafiasse. Um Jesus que curasse, mas que não os chamasse à conversão. E quando perceberam que segui-lo implicava mudar de vida, foram-se embora. Porque é exigente acreditar num Deus que se faz tão próximo, tão humano, tão vulnerável ao ponto de se oferecer como alimento…
Jesus não os impede. Não suaviza o discurso, não adapta a mensagem para agradar. Apenas olha os que ficam e pergunta: “Também vós quereis ir embora?” É uma pergunta livre, corajosa. Não há chantagem, nem medo de ficar só. Apenas o amor que se oferece e espera uma resposta verdadeira. É uma pergunta que continua viva hoje. Todos nós a escutamos, em algum momento: quando a fé se torna pesada, quando Deus nos parece distante, quando o coração sente vontade de desistir.
Pedro, no seu jeito impulsivo, mas sincero, responde com aquilo que o coração sabe: “Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna.” Estas palavras são uma profissão de fé humilde. Pedro não diz que entende tudo o que Jesus diz. Não afirma que não tem dúvidas. Mas reconhece que, mesmo sem respostas fáceis, ninguém fala como Jesus. Só nas Suas palavras há qualquer coisa que o salva por dentro. Pedro não tem certezas — tem confiança. Não tem mapa — tem o Rosto. Não tem garantias — tem o coração ancorado n’Aquele que é Vida. A resposta de Pedro não é uma certeza teológica. É uma confissão de amor. Pedro viu, ouviu, experimentou e confiou.
Vivemos rodeados de palavras. Palavras que enchem os nossos dias, que nos atravessam as rotinas, que nos distraem. Palavras que prometem felicidade, sucesso, plenitude — mas que não chegam ao mais íntimo de nós. Há palavras que passam. Palavras que seduzem por um instante, que enchem os ouvidos mas não enraízam nada. Palavras que agradam, mas não salvam. Palavras que se gastam, como promessas vãs, como ecos que se dissipam ao primeiro sopro de dor.
E depois… há as palavras de Jesus. Palavras que não se esgotam na superfície. Palavras que tocam lugares que nem sabíamos que existiam. Palavras que ardem, que nos curam, que permanecem. Palavras que nos revelam a nós mesmos, que nos levantam, que nos chamam por dentro, que nos despertam para um dia sempre maior. Palavras cheias de uma vida inteira que não depende do tempo, nem do humor, nem das meras circunstâncias. Palavras que não mudam com as marés, que não se ajustam para agradar, mas que têm a ousadia de dizer a Verdade. Palavras que transformam e que dizem não o que queremos ouvir, mas o que precisamos para viver.
“Só Tu tens palavras de vida eterna.” E porque é eterna, a Palavra de Jesus resiste. Resiste ao tempo, à dor, à solidão, à morte. Resiste em nós quando tudo parece desabar. Estas palavras de vida eterna não prometem apenas um futuro depois da morte. Prometem um presente transformado – uma vida eterna que já começa aqui: uma vida que se descobre amada, que encontra sentido no meio das perguntas, que se deixa guiar por uma esperança maior do que qualquer escuridão. Só Ele tem palavras que tocam a vida inteira — as alegrias, as feridas, os medos, as esperanças. Por isso, ouvir Jesus não é apenas escutar uma mensagem. É deixar que a própria Vida fale dentro de nós. É acolher palavras que não se gastam nem se esgotam. Palavras que ensinam a amar sem medidas, a perdoar onde parecia impossível, a confiar mesmo no meio das incertezas.
Por isso, o Evangelho não é uma fala ou um mero aglomerado de acontecimentos. O Evangelho é uma vida. Uma vida que se espelha na vida de quem se assume cristão. Uma vida que reflete a eternidade das Palavras de vida eterna. E estas palavras leem-se no modo como amamos, na forma como gerimos o que Deus nos confiou, nas escolhas que fazemos. A nossa vida precisa ser esse evangelho vivo. Ou então não é evangelho nenhum. Peçamos a graça de nos deixarmos conduzir por estas palavras de eternidade e que elas se infiltrem no nosso quotidiano em cada dia que nos é dado viver.
Há um ano, juntamo-nos (quase todos!) para simplesmente estarmos uns com os outros, com tempo e com espaço, sem tarefas definidas, para aquilo que chamamos “Cumbíbio para Cumbiber”. Quem partilha vida connosco e já nos conhece bem, sabe que gostamos muito de arranjar nomes, digamos assim, pomposos para as nossas atividades várias e variadas. E este nome resulta da necessidade de nos encontrarmos, livres de atividades e responsabilidades, e com disponibilidade para o que mais importa – estarmos uns com os outros, por a conversa e o riso em dia. E houve tempo para cantar, lembrar, projetar, agradecer, rir, sonhar, ouvir.
Ficam aqui as memórias desse encontro de 2024, num resumo daquilo que somos e do que vivemos em comunidade. Este encontro passado que guardamos com especial carinho por tantos motivos, mas também por ter sido nesse dia que o André e a Andreia distribuíram os seus convites de casamento (e do batizado da Clarinha!). Quem sabe não se começou aqui uma tradição e amanhã haja uma nova surpresa…
Amanhã, estaremos novamente juntos para simplesmente estarmos juntos. Nesta irmandade que já perdura, para alguns, há mais de 30 anos! Nesta irmandade que persiste e atravessa os tempos e as circunstâncias porque há uma razão que nos acomuna e nos faz seguir nesta Estrada: Deus. Este Deus que se alimenta na nossa amizade com Ele através da amizade que vivemos uns com os outros. Esta irmandade que procura, mesmo nos momentos mais desafiantes, a alegria que vem de nos sentirmos amados por Ele através de cada um de nós. E é esta alegria que se fortaleça sempre que estamos juntos que nos faz ser portadores de alegria para todos os que caminham connosco.
Enquanto estamos já a preparar o novo ano de formação, deixamos aqui registados os testemunhos da Joana, do Pedro, da Inês, do Douglas, do Caio e da Tânia, que fizeram connosco este percurso de educação e de partilha na fé. De outubro de 2024 a junho de 2025, às sextas-feiras, das 21h30 às 23h, na paróquia da Matriz (Póvoa de Varzim), estes jovens adultos fizeram parte de um grupo de treze elementos que foi fazendo o seu percurso na descoberta de um Deus que está sempre disponível para quem o quer acolher, construindo assim o início de uma fé adulta, pensada e experimentada, concreta, vivida em ações, participada no quotidiano e celebrada sempre em comunidade.
Com estes testemunhos verdadeiros e genuínos, queremos partilhar convosco a alegria que é para nós, Comunidade Estrada Clara, sabermos que este desejo de Deus tão próprio do ser humano está e continua presente em quem O procura e nós, Comunidade, somos infinitamente mais felizes por podermos proporcionar este tempo e este espaço de partilha, de descoberta e de interiorização.
Um bem-haja a todo este grupo por tudo o que podemos partilhar, viver, descobrir em conjunto. ⭐
I Encontro de Formação “Lugar Teu”: Um tempo e um espaço de escuta, de interioridade e de descoberta da presença de Deus em nós
Numa parceria da Comunidade Estrada Clara com a paróquia de Nossa Senhora da Conceição (Matriz), entre os dias 28 de fevereiro e 1 de março, realizou-se o I Encontro de formação para animadores de adolescentes e jovens, sob o nome “Lugar Teu”. Este retiro foi inspirado nas palavras do profeta Jeremias: “Eu conheço bem os planos que tenho para vós – diz o Senhor. Planos de paz e não de calamidade, para vos garantir um futuro e uma esperança.” (Jer 29,11).
Reunidos com o coração disponível e atento, os animadores presentes mergulharam num tempo de reflexão, silêncio, descoberta, histórias de vida, partilha e Palavra. Ao longo deste encontro, falámos sobre os planos de Deus em nós e para nós, questionamos se Ele tem (ou não) planos B, pensamos acerca dos imprevistos da vida e da forma como lidamos com eles e aprofundamos, por meio de algumas passagens bíblicas a forma como Jesus nos vai revelando esses planos de Deus nas nossas próprias circunstâncias de vida. Houve momentos de oração individual e coletiva, grupos de partilhas, celebração eucarística, apresentação de temas e trabalhos individuais, tendo sempre como pano de fundo o tema do encontro – os planos de Deus para nós e a história de cada um com Deus.
Na conclusão final deste encontro, selada com um simbólico abraço da paz e pela paz entre todos, ficaram as orientações a levar para a vida que vai seguindo: o desafio pessoal e coletivo de continuar a escutar os planos de Deus com confiança; o compromisso de ser presença significativa na vida dos adolescentes e jovens dos quais somos responsáveis; a alegria de saber que há sempre um “Lugar Teu” que nos pertence e que Deus preparou para nós.
Queridos jovens, obrigada por este encontro tão luminoso, partilhado e feliz. Obrigada pela vossa confiança plena em nós e por se deixarem caminhar connosco nesta Estrada que também é totalmente vossa! Seguimos juntos para o próximo “Lugar Teu”!
A esta hora, um grande grupo de jovens da minha paróquia vai na sua peregrinação a Roma por ocasião do Jubileu dos Jovens. Há 25 anos, era eu quem viajava num autocarro, com os jovens da paróquia, a caminho da “città eterna”. Coincidindo, nesse ano 2000, com as Jornadas Mundiais da Juventude, este evento reuniu milhões de corações num só pulsar de fé, esperança e comunhão, num mundo que tinha acabado de entrar num novo milénio cheio de desafios.
Roma 2000 foi uma experiência fundamental para mim, uma universitária de 21 anos que era já responsável por um grupo de adolescentes – num tempo em que muito pouco havia nas paróquias – e pertencia também a um grupo de oração que animava a missa vespertina todos os sábados. Participar nesse Jubileu em Roma foi dos primeiros “sins” a esta minha vocação Comunitária que fui dizendo ao longo da minha vida.
Tal como eu, esta foi a primeira vez que muitos jovens saíram do seu país para um grande evento religioso, numa altura em que não se usavam telemóveis (os telefonemas para casa eram feitos nas cabines públicas), as fotografias dependiam dos rolos das máquinas fotográficas, o euro ainda não existia, portanto passar por três países diferentes implicou muitos câmbios monetários… Foi um momento marcante também na vida da nossa paróquia! Não tínhamos, como hoje, a ajuda das pesquisas internéticas para nos permitir antecipar o que aconteceria nesses dias jubilares. Foi, por isso, uma verdadeira peregrinação de e na confiança!
O Jubileu daquele ano em Roma permitiu-nos viver no coração de uma Igreja jovem, viva, vibrante. Caminhar pela rua com milhares de outros jovens de todo o mundo, ouvir línguas diferentes, cantar juntos, rezar naquela grande praça, dormir em sacos-cama em pavilhões improvisados… e a certeza sentida a cada dia de que não eramos cristãos sozinhos e que ser jovem e cristão era algo universal e cheio de alegria.
Agora, a caminho do Jubileu 2025, somos todos convidados a olhar para trás com gratidão e para a frente com esperança. Deus continua a fazer novas todas as coisas! A Igreja continua viva e a esperança acesa!
Queridos jovens, uma boa viagem! Seguimos juntos, sempre!
O quarto grupo deste quarto ano de Formação Cristã de Adultos, promovida pela Paróquia Nossa Senhora da Conceição (Matriz) em parceria com a Comunidade Estrada Clara, culminou com a celebração do Crisma pelo Bispo Auxiliar de Braga, Dom Delfim Gomes, no dia 22 de junho de 2025, na Igreja Matriz. Recordamos, com imensa alegria e muita gratidão, esse dia festivo em que os nossos treze crismandos (a Anair, o Arthur, o Caio, a Carina, o Douglas, a Inês, a Joana, a Márcia, o Pedro, a Roseane, a Serafina, o Sérgio e a Tânia) receberam o Espírito Santo e foram fortalecidos com os seus dons. Lembramos também o percurso particular do Arthur e do Caio que, escolhendo, numa idade adulta, assumir uma vida cristã, receberam os sacramentos do Batismo e da Eucaristia. A Roseane também recebeu, pela primeira vez, a Eucaristia, um momento de imensa alegria para ela.
Nesta Eucaristia festiva, os jovens do grupo do 10.º ano e alguns escuteiros do Agrupamento 38 da nossa Paróquia receberam também o sacramento do Crisma. Foi uma celebração comunitária de fé, de ação de graças e de louvor por este caminho percorrido e pela descoberta de um Deus que nos ama e que nos quer sempre a caminho com Ele e com os nossos irmãos. Que este tenha sido o dia primeiro de um percurso numa fé adulta, consciente, pensada e experimentada, questionada e trabalhada sempre numa dimensão comunitária.
Um bem-haja a todo este grupo pelos momentos de partilha, de reflexão e de conhecimento e pela certeza que nos dão de que viver em Deus é, essencialmente, um viver com e para os outros.
“Dar-vos-ei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei um coração de carne.” (do Livro do Profeta Ezequiel)
Texto de Ana Luísa Marafona, Comunidade Estrada Clara
No nosso Musical “Jesus é Vida”, a primeira parte do espetáculo acontecia em contexto de grupo de jovens que, desafiados pela professora de História para apresentarem um trabalho sobre uma figura histórica, decidiram escolher falar sobre Jesus. Uma das personagens de seu nome Susana – interpretada pela… Susana! – começa por manifestar muitas dúvidas relativamente àquela escolha feita pelo seu grupo. Num diálogo com outra personagem de seu nome Ana – interpretada por mim… Ana! -, a Susana vai descobrindo que as dúvidas que sentia não tinham a ver com o trabalho que lhes tinha sido proposto, mas sim com a sua própria perspetiva em relação à vida e principalmente com a dificuldade que ela sentia em viver o que os amigos viviam, em acreditar como eles acreditavam, em assumir a verdade que o grupo assumia. Durante a conversa, a minha personagem ia mostrando à Susana que o que a impossibilitava de viver plena e genuinamente aquilo em que dizia acreditar era o simples facto de não se deixar envolver nas atividades do grupo, de não se entregar à vida, de não se deixar encantar pela beleza.
Ao recordar por estes dias este momento do Musical, veio-me à memória a passagem do profeta Ezequiel sobre o coração novo que Deus nos promete. “Dai-vos-ei um coração novo” é uma promessa que toca no mais profundo da nossa identidade. Estas palavras não são apenas poesia ou consolo. São a promessa concreta de uma modificação interior, de um caminho que nos é oferecido, de uma possibilidade de renovação. E por que razão há urgência nesta transformação?
Vivemos tempos de fragmentação, entre o que se deseja ser e o que de facto se é. Vivemos tempos de cansaço. Não tanto um cansaço físico, mas acima de tudo existencial. Há uma fadiga que persiste e que não se cura com descanso, uma espécie de saturação interior que se vai instalando, silenciosa, mas constante. A pressa com que se vive, a desilusão com que nos confrontamos, o peso das notícias que nos chegam a toda a hora, o ruído permanente da desinformação… tudo isto e tanto mais contribuiu para que o nosso coração, esse centro vivo da nossa identidade, vá perdendo a sua sensibilidade. Vamos endurecendo por dentro, vamos erguendo defesas, vamos fechando o nosso olhar. Ao longo da vida, todos nós corremos o risco de permitir que o nosso coração endureça e nos faça viver à defensiva. Tornamo-nos mais racionais, mais pragmáticos, mas simultaneamente mais frios, menos compassivos, menos atentos aos outros. Dentro de nós hospeda-se um coração de pedra. Este coração de pedra é uma metáfora real da nossa condição: um coração que deixou de bater ao ritmo de Deus e passou a viver em função do medo, do orgulho, do egoísmo.
E é precisamente quando este coração de pedra se instala em nós que Deus intervém, não com acusações, mas sempre com uma promessa, não com imposições, mas sempre com uma proposta. Deus não exige que eu me corrija, que me torne melhor sozinho. Ele próprio se oferece, dizendo: “Dar-vos-ei um coração novo”. Não é um remendo. Não é uma versão moralizada. Não é uma mudança superficial. É um coração novo, uma proposta radical e interior. Um coração de carne é um coração vivo, vibrante, capaz de escutar a voz de Deus, de se deixar encantar pela beleza da vida, pela força do Amor. Um coração com sede de justiça, de verdade, de comunhão.
Deus sabe que, por nós mesmos, não conseguimos regenerar o que em nós se quebrou. Por isso, propõe-se Ele próprio realizar essa obra em nós. E é este o coração da mensagem cristã: não estamos sozinhos. Fomos criados para vivermos em aliança com Deus, numa relação de pertença mútua. Quando permitimos que Ele transforme o nosso coração, assumimo-nos filhos de um Pai que nos ama. E pertencer a Deus é encontrar a nossa identidade mais profunda. É saber que temos um lugar nosso, um propósito a cumprir.
Esta promessa que Deus nos faz toca o grande dilema humano: como amar num mundo ferido pela dor? Como manter a doçura quando tudo nos convida ao endurecimento? Como permanecer sensível sem sofrermos com a indiferença? Deus responde-nos com a oferta de um coração novo. Não um coração perfeito, mas um coração que se abre, que se dispõe a que Deus nele habite e o transforme. O verdadeiro milagre não é um coração perfeito, é um coração capaz de mudar, disponível, aberto. Ao prometer-nos um coração novo, Deus convida-nos a recomeçar de dentro para fora. A confiar que é sempre possível sentir de novo, amar de novo, viver com leveza. É um convite à reconciliação com a nossa própria humanidade. E esta promessa não se esgota no passado. Ela é um apelo para o presente. A dureza dos nossos dias, o individualismo e a indiferença exigem homens e mulheres de coração novo. O caminho mais fácil é sempre o do endurecimento. Mas Deus continua a oferecer-nos, todos os dias, este dom magnífico: um coração capaz de recomeçar, de amar, de perdoar, de se entregar.
P.S. No Musical, a personagem Susana acabou por ser dos elementos mais empenhados do seu grupo na realização do trabalho para a escola. Ela foi-se deixando transformar por este coração que Deus lhe ofereceu. E digo “foi-se deixando” precisamente porque este é um trabalho contínuo, de avanços e recuos, de erros e acertos. A Susana continuou com medos e dúvidas, mas assumiu vivê-los com confiança e com a certeza de que Deus habitava no seu novo coração. E, sobretudo, foi escolhendo cuidar deste seu coração em comunidade…